Nos últimos dias, o agravamento da crise financeira nos EUA proporcionou ao mundo uma verdadeira histeria. Ninguém entende como uma crise tão amplamente discutida pode ter alcançado tamanha proporção. Não se fala de outra coisa, e-mails com dúvidas relacionadas ao problema não param de chegar. Tudo isso é normal, afinal crises são momentos que nos tiram de nossa zona de conforto. Assim, peço licença para colocá-lo diante de mais um texto sobre o tema.
Quem não pensa diariamente nos seus investimentos em ações ou na situação da bolsa de valores? Pois é, no esteio da discussão que busca entender o que houve e quais as repercussões que o sistema capitalista trará para o futuro, cabem algumas reflexões pessoais muito apropriadas para o momento. Prometo ser breve e objetivo, mas sem ser repetitivo.
Entendendo a crise
A origem da crise passa pelo crédito. No Brasil, existem alguns instrumentos de análise de crédito que muitas vezes barram financiamentos para consumidores com restrições financeiras e(ou) histórico de problemas de inadimplência. Nos EUA, a situação é (era?) bem mais liberal e o crédito super facilitado.
A facilidade na concessão de crédito para pessoas com histórico ligado a problemas financeiros é tida como ação de origem da crise. Simples assim? Bom, desde o inicio do seu mandato, o Presidente George W. Bush deu asas a uma política fiscal muito contestada (tida como pouco responsável). Tudo para levantar o apoio popular, segundo diziam cientistas políticos.
O Estado aumentou seus gastos, diminuiu suas receitas e viu, inerte, o mundo todo assistir à desvalorização do dólar. No final, a conta veio bem salgada. A economia americana, que hoje é realmente apresentada como estagnada, já não apresentava crescimentos sólidos. Com o aumento do desemprego, as pessoas perderam seu poder de compra, sua renda diminuiu e elas deixaram de pagar os financiamentos, as hipotecas e frearam o consumo de uma maneira geral.
Onde a crise nos afeta?
O mercado financeiro é global, afirmação que não é mais segredo para ninguém. Mas por que nós brasileiros, com um punhadinho de ações da Vale ou Petrobras, temos que pagar também a conta da quebradeira do Merrill Lynch ou do Lehman Brothers?
Quem não ouviu falar na frase “O mundo é plano”, cunhada por Thomas L. Friedman? Pois é, a frase virou livro. A quebra dessas instituições, marcos do poderio financeiro americano, coloca em xeque o potencial e os desdobramentos daquela que ainda é a maior economia do mundo. O mundo, assustado, pára e observa. Com muita atenção.
Na prática, milhões de pessoas deixarão de consumir e comprar bens e serviços de países como Brasil, China, Índia entre outros. O dinheiro ficará mais caro, já que o medo faz com que os grandes financiadores do giro econômico lastrem seu capital em títulos de risco baixo (para não falar debaixo do colchão). Além disso, os bancos com problemas têm menos recursos para emprestar.
Assim, surgem algumas importantes questões:
- Como as empresas conseguirão se capitalizar?
- O dinheiro mais caro fará com que as empresas diminuam seus investimentos nos anos seguintes?
- O plano de crescimento de médio e longo prazo está, então, comprometido?
Teste de fogo
Muito se comenta que o Brasil de hoje está, pelo menos em termos econômicos, muito mais preparado do que no passado para atravessar uma crise financeira. Entretanto, a dimensão da crise e seus desdobramentos são tão inéditos quanto nossa situação econômica enquanto nação.
Parece que estamos diante do momento crucial de nossa política econômica. Estamos próximos de presenciar a quebra (ou não) do paradigma: a economia brasileira se desenvolveu a ponto de ser capaz de transpor esse momento delicado sem muitos hematomas?
Outro ponto fundamental a analisar é o caminho do governo no meio da tempestade. Afinal, enquanto o céu permanecia limpo e sem nuvens escuras, o Brasil navegou velozmente rumo ao crescimento. Por isso mesmo, acredito que uma das saídas para diminuir os efeitos da crise passa pela economia interna.
Talvez seja o momento de incentivar a produção industrial e estruturar melhor os planos de crescimento sustentável, priorizando um salto de qualidade nas indústrias de energia, tecnologia e infra-estrutura. Isso tudo, porém, depende de política monetária e da queda dos juros básicos.
Eu, você e a postura em relação à crise
Como o Navarro destacou, a segunda-feira foi um dia histórico. Ligações e mais ligações de gente desesperada, acreditando piamente no fim do capitalismo no derretimento de seus ativos, eram comuns. A histeria trouxe consigo o efeito manada e a falta de critério, o que levou as pessoas a tomarem atitudes sob forte apelo emocional. Isso não é nada bom.
Está claro que quem vendeu ações na segunda, ontem já começou a amargurar os maus reflexos da decisão desesperada. Claro, a volatilidade continuará, pois é difícil acreditar que, apenas com a aprovação do pacote financeiro, todos os problemas se resolverão. Vivemos tempos difíceis, em que muitas dúvidas e reviravoltas ainda existirão.
O grande desafio que surge é entender que a crise, ao contrário do que muitas pessoas estão pregando, não é o fim dos tempos. Possibilidades surgem e merecem ser estudadas. A questão fundamental é: não podemos ficar de braços cruzados, com uma postura tipicamente submissa. Não faz bem!
Que tal aproveitar o momento e reavaliar seus objetivos e investimentos. Alguns precisam ir além e entender que nem tudo gira em torno do mercado de ações. Aproveitar os altos juros pagos no Brasil, através do Tesouro Direto, já passou pela sua cabeça? E os CDBs? Leia mais sobre eles:
É importante ter consciência do que pode complicar ainda mais momentos como este. Assim, não faça dívidas, principalmente financiamentos de longo prazo. O crédito ficará mais caro e controlar os gastos é um dos melhores caminhos para atravessar bem momentos de crise.
Para quem pretende continuar investindo em ações, o melhor é participar com mais critério da vida das empresas (vide o caso Sadia, ainda difícil de engolir). Acesse a seção RI dos sites das empresas, busque contatos relevantes lá dentro e lance perguntas sobre planejamento e os possíveis impactos da crise nos negócios da companhia.
Desperte interesse pelos números, resultados, balanços, demonstrações financeiras e projeções das empresas e do mercado que ela participa, especialmente levando em conta o médio e o longo prazos. PARTICIPE, você é acionista, é dono! Até sexta.
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Ricardo Pereira é consultor financeiro, trabalhou no Banco de Investimentos Credit Suisse First Boston e edita a seção de Economia do Dinheirama.
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