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As verdades, os perigos e os mitos sobre a dívida externa brasileira

por Conrado Navarro
3 min leitura

As verdades, os perigos e os mitos da dívida externa brasileiraGuga comenta: “Navarro, ontem escutei meus pais conversando sobre a dívida externa brasileira e seu montante. Parece que leram em algum jornal que a dívida continua crescendo e está em patamares considerados elevados. Gostaria de entender melhor o que é exatamente a dívida externa e se devemos mesmo nos preocupar com o nível em que ela se encontra atualmente. O que a dívida externa representa? Por que senti nos meus pais um ar de preocupação? Obrigado”.

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Há muito que o termo dívida externa é destaque em nosso cotidiano econômico. Mais do que isso, há uma geração que vê no termo “dívida externa” um sinônimo de encrenca. Questione seus amigos, familiares e parentes com algo tipo “O que a dívida externa representa?” e veja as reações: “FMI”, “roubo”, “calote”, “moratória” e “Sarney” serão algumas respostas comuns.

Abordarei neste texto o básico sobre a dívida externa, sua definição, um pouco de sua história e aproveitarei para comentar os dados divulgados recentemente sobre sua crescente alta. A ideia é completar o excelente artigo de Ricardo Pereira, aqui mesmo no Dinheirama, intitulado “Entendendo a dívida externa brasileira”. Ainda que alguns termos sejam técnicos demais, farei o possível para manter a explicação em tom simples e didático.

O que é divida externa?
Trata-se do montante de débitos de uma nação originados de empréstimos feitos no exterior. Estes empréstimos são feitos com bancos estrangeiros, governos de outros países ou instituições financeiras internacionais (FMI – Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial etc.). Em outras palavras, a dívida externa representa tudo aquilo que um país (em âmbito geral) deve em caráter internacional.

Como assim, todas as dívidas internacionais do país?
A dívida externa contempla todos os empréstimos realizados por um país, incluindo ai as esferas de governo (federal, estadual e municipal) e setor privado. Ou seja, a dívida externa não é o valor devido pelo governo aos “gringos”, mas do país como um todo (incluindo empresas).

Um pouco de história
Complementando o artigo do Ricardo, cabe citar alguns períodos históricos em que a dívida externa foi fator de destaque na economia e no noticiário especializado. Usando como fonte uma matéria recente da Folha de S. Paulo, cito:

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  • Ano de 1973: Auge do chamado “milagre econômico”, período marcado pela alta dos preços do petróleo. O forte desenvolvimento dos países desenvolvidos forçou a queda dos juros, deixando o dinheiro “mais barato”. Governos periféricos, Brasil inclusive, “aproveitaram” para se endividar no exterior. A dívida era de US$ 14,9 bilhões neste período;
  • Ano de 1979: Momento marcado pelo segundo “choque do petróleo”. A inflação assola diversos países, que são obrigados a elevar seus juros. A dívida brasileira cresce com a alta das taxas e atinge US$ 55,8 bilhões;
  • Ano de 1983: Tanto o Brasil quanto outros países assumem as dificuldades em pagar suas dívidas externas, recorrendo então ao FMI. A dívida alcançou US$ 93,7 bilhões neste período;
  • Ano de 1987: O então presidente José Sarney anuncia, em rede nacional, a moratória da dívida externa brasileira. Cabe lembrar que o governo era responsável por quase 85% da dívida externa brasileira neste período, ou seja, o perfil da dívida era tal que os credores haviam emprestado majoritariamente ao governo brasileiro (e não ao setor privado). As dívidas alcançaram US$ 121,2 bilhões;
  • Ano de 1994: As negociações iniciadas depois da moratória finalmente são concluídas, o que permitiu ao Brasil retomar os pagamentos aos credores e restaurar parte de sua credibilidade internacional (o que significa, na prática, oportunidade de tomar novos empréstimos). A dívida era de US$ 148,3 bilhões;
  • Ano de 1999: Brasil tem que recorrer uma vez mais ao FMI e sua dívida aumenta para US$ 241,6 bilhões;
  • Ano de 2005: Com a economia em ascensão, melhor gestão e ajudado pelo ótimo cenário internacional, nosso país acumula reservas em dólar e paga suas dívidas com o FMI. O Brasil passa a ser credor, ou seja, possuir mais dinheiro em reservas que o montante tomado em empréstimos. Dívida era de US$ 169,5 bilhões;
  • Ano de 2011: A crise internacional trouxe uma nova onda de juros baixos – as taxas são “jogadas para baixo” a fim de aquecer a economia. O dinheiro “lá fora” ficou mais barato e uma nova onda de empréstimos no exterior acontece. A dívida atual é de US$ 284,1 bilhões, mas o Brasil continua credor (possui US$ 336 bilhões em reservas internacionais).

O que devemos entender a partir de tanta informação?
Dois aspectos são essenciais para se estabelecer o correto cenário econômico atual em torno da dívida externa brasileira:

  • Perfil da dívida. Apesar da crescente dívida externa brasileira, repare que o montante relacionado ao dinheiro emprestado diretamente ao governo caiu (e continua caindo). Em 1985, 85% do total devido era responsabilidade do governo (dos contribuintes, em essência), enquanto apenas 15% eram do setor privado. Atualmente, o percentual do Estado é de 25%, contra 75% do setor privado;
  • Situação do país em relação aos empréstimos internacionais. As décadas que marcaram os problemas com a dívida externa mostravam um Brasil mal gerenciado, sem capacidade de poupar. O país não tinha como pagar sua dívida externa, já que não possuía dólares “em caixa” para essa operação. Hoje, a situação é outra: temos US$ 336 bilhões em reservas, dinheiro mais que suficiente para pagar a dívida externa, caso fosse necessário pagá-la de uma única vez.

Por que uma empresa brasileira pega dinheiro lá fora?
Porque a realidade dos juros e prazos de pagamento do empréstimo é bem diferente da encontrada no Brasil. Taxas menores e melhores condições de pagamento são fatores atraentes e que tornam melhores as margens dos produtos fabricados/comercializados por aqui (ou mesmo exportados a partir do Brasil). A contrapartida é que a dívida é em dólar – se a cotação mudar, a dívida pode ficar cara demais.

Não há perigo em a dívida externa continuar crescendo?
A resposta não é tão simples. O fato de termos reservas nos dá tranquilidade, é verdade, mas o endividamento excessivo e a dependência externa trazem consigo um perigo: o quadro favorável (juros baixos, economia em crescimento, cotação do dólar e reservas em níveis inéditos) pode mudar, tornando a dívida excessivamente alta e com pagamento complicado.

Imagine uma eventual alta expressiva do dólar, por exemplo. Se o cenário mudar e as dívidas ficarem elevadas, as empresas com empréstimos lá fora terão que reajustar seus preços e condições de venda/produção, atrapalhando seu crescimento (e do país em geral). Seus produtos não serão mais tão competitivos e seu custo de produção pressionará suas margens – a gestão privada se complica.

Conclusões
Cabe ressaltar que este artigo retrata minha opinião. Considerando o perfil da atual dívida externa brasileira e nossa situação econômica, não acredito que os atuais níveis de endividamento sejam danosos (ou mesmo perigosos). Faça as corretas interpretações: isso significa que estou no grupo dos conservadores. As coisas vão bem, mas o ritmo de alta da dívida externa precisa ser controlado de perto. A discussão sobre o nível da dívida externa pode se transformar em um bate boca sem fim, por isso prefiro a visão histórica e relativizada (como a que apresentei aqui). Sua conclusão é o que interessa.

Medidas como o recente aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) dão mostra de que o governo está prestando atenção no tema. Depois de conviver com sérios problemas em decorrência da irresponsabilidade com o dinheiro público, fica fácil entender porque a dívida externa costuma causar calafrios em muitos lares brasileiros. Parece que aprendemos a lição. Tomara.

Foto de sxc.hu.

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