Com base em depoimentos de motoristas e representantes de plataformas regionais de aplicativos de transporte e entrega, deputados da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados alertaram para os riscos de a regulamentação do setor (prevista no PLP 12/24, do Executivo) prejudicar a concorrência e aumentar os preços para passageiros.
“Tudo isso que está sendo discutido vai incidir no bolso do consumidor. Esse é o grande problema”, apontou o deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP). “O projeto tem um monte de vícios e está aquém do que precisamos para dar segurança jurídica, tanto para o motorista como para o consumidor que paga a conta.”
O deputado Gilson Marques (Novo-SC), que sugeriu a realização da audiência pública na quarta-feira (8), ponderou que as novas regras podem produzir efeitos indesejados e não atende aplicativos de entrega, como o iFood, e aplicativos regionais.
“Essa regulamentação tem custos, que serão embutidos no preço do consumidor. Você vai matar os pequenos aplicativos, e o cliente vai procurar outras alternativas de transporte”, comentou.
Seguridade
A principal crítica dos aplicativos regionais é com relação às regras de contribuição para o INSS.
O diretor de Relações Governamentais do aplicativo InDrive, Carlos Shigueo Nishikawa, afirmou que, no modelo proposto pelo PLP 12/24, o valor da contribuição social a ser pago pela sua empresa comprometeria a metade do faturamento.
Isso é porque, na sua plataforma, a empresa apenas cobra uma mensalidade dos motoristas, e não exige comissões sobre os ganhos auferidos pelo motorista, que seriam utilizados como base de cálculo da contribuição ao INSS.
Nishikawa propõe que a contribuição seja cobrada com base no faturamento da empresa. “O PLP tem uma lógica inversa sobre o impacto da contribuição do INSS por parte da empresa.
Quanto maior a comissão da empresa, menor será a contribuição do INSS para o governo”, observou. “O projeto incentiva a empresa a aumentar a comissão para pagar menos INSS. Esse custo vai para alguém. O motorista vai pedir uma remuneração maior para o passageiro.”
Proprietário do Urbano Norte, outro aplicativo regional de transporte, Eliseu Paulino reclamou que o PLP 12/24 apenas levou em consideração o modelo de negócios utilizado pelas multinacionais que lideram o mercado, em especial a Uber e a 99.
“As empresas regionais ou vão fechar a porta ou migrar para o modelo danoso”, alertou. Ele sugeriu que os motoristas recolham a contribuição como microempreendores individuais (MEIs).
Entregadores
O diretor-sênior de Assuntos Governamentais e Políticas Públicas do iFood, João Sabino, afirmou que, caso a regulamentação para entregadores utilize o mesmo modelo aplicado para motoristas de passageiros, apenas 7% dos trabalhadores da empresa estariam cobertos pelos benefícios da Previdência.
“Os outros estariam pagando sem ter nenhum tipo de retribuição de aposentadoria ou seguridade social. Isso obviamente não resolve nenhum dos problemas”, lamentou.
João Sabino defendeu a criação de um regime para os trabalhadores com ganhos mais baixos. Ele disse que as regras para aplicativos de passageiros não podem ser aplicadas para aplicativos de entregas.
“Há uma diferença grande entre motorista e entregador. Você utiliza um veículo menor, que consome menos gasolina, e o valor da corrida é mais baixo”, argumentou.
Ele também apontou que a plataforma de entrega oferece menor tempo de trabalho, porque há maior demanda apenas no horário de almoço e jantar. “Isso gera um ganho mais baixo”, sustentou.
Equilíbrio e autonomia
Por sua vez, o diretor-executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, André Porto, que representa as empresas 99 e Uber, reconheceu que os custos da regulamentação não podem ser excessivos ao ponto de o consumidor não poder pagar.
Ele defendeu, no entanto, a inclusão dos trabalhadores de aplicativo na Previdência. “O trabalhador de plataforma ganha mais do que o trabalhador com vínculo tradicional. A regulamentação é importante. O ponto de equilíbrio é o grande desafio que a gente precisa atingir.”
O promotor Renan Bernardi Kalil, da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho da Procuradoria Geral do Trabalho, questionou os trechos do projeto que caracterizam as empresas como meras intermediárias entre passageiros e consumidores, ao passo que os trabalhadores são considerados autônomos.
“Para que motoristas, de fato, tivessem autonomia na atividade deles, deveriam ter o poder de precificar o valor da corrida, rejeitar corridas sem sofrer nenhum tipo de punição, nem sofrer bloqueio por avaliações negativas ou abaixo da média que a empresa estabelece de forma unilateral”, argumentou Kalil.
O motorista de aplicativo Lucas Dias foi um dos presentes na audiência pública que reclamaram da taxa variável adotada pelas plataformas sobre as corridas, o que, segundo ele, tem baixado a remuneração dos motoristas e prejudicado a qualidade dos serviços.
“Quem roda sabe que estamos ganhando menos. A qualidade caiu demais, tendo como justificativa a baixa remuneração do motorista. Os usuários, porém, continuam pagando os mesmos valores, talvez até mais.”